julho 05, 2010

DA IMPOSSIBILIDADE DE SER UM QUANDO SE É DOIS


Por Levi B. Santos

Jacques Lacan, psicanalista francês falecido em setembro de 1981, foi quem realizou a releitura de Freud para o nosso tempo, e ensinou que o amor é o desejo impossível de ser um quando há dois. Noutras palavras, é o desejo impossível da completude.

Ouvimos frequentemente em nossa vida de relação: Fulano(a) não me completa”, como se a completude existisse. Trata-se de um mito originário da Grécia que se perpetua no nosso imaginário. Segundo esse mito, nos primórdios, a forma humana era uma esfera com quatro mãos, quatro pernas, duas cabeças e dois sexos. Os seres humanos se deslocavam para frente e para trás e, ao correr, giravam sobre os oito membros. Seu orgulho e sua força eram tamanhos que, para enfraquecê-los, Zeus os cortou pela metade. Para os gregos, o corte deu origem ao amor, que junta as metades, e de dois seres faz um.

Num dos seus seminários, Lacan retomou esse mito para ensinar que, na verdade, o amor é o “desejo impossível de ser um quando há dois”. Em outras palavras, é o desejo impossível da completude, já que o desejo de um sujeito nunca coincide inteiramente com o do outro. A coincidência que o amante pode celebrar é a da crença na liberdade do amado. Uma crença que se expressa assim: “Faça o que você deseja porque o seu desejo é o meu; com essa compreensão a relação se renova continuamente, e se perpetua, tornando-se possível”.

A paixão cega, mas o sentimento amoroso ilumina. O amante não precisa perguntar ao amado o que este quer, pois quem ama sabe a resposta.
Mas se amar significasse essa perspectiva de buscar a fusão de dois em um, curar um meio ser humano transformando-o em um ser completo, essa reunificação, funcionaria como se cada ser humano estivesse na expectativa de uma segunda chance de invadir o Olimpo.

O amor, considerado como desejo de fusão com a alteridade, encontra em Hegel seu maior defensor. A noção de amor tem um papel central na sua filosofia, especialmente nos textos da juventude. Para Hegel, o amor é o impulso inerente do ser vivente em direção à unificação com o outro. Os amantes formam um todo, em que cada um é igual no poder: “Somente no amor somos um com o objeto, sem que ele domine, ou seja, dominado” ─ diz ele em uma anotação do verão de 1797. O amor, do jeito que Hegel compreende, é uma unidade equilibrada de opostos e presta um serviço inestimável na história: estabelecer comunhão, comunidade e comunicação entre os seres humanos.

Muitas pessoas nutrem um terrível vazio existencial porque querem existir mudando os outros, querem se realizar no outro, acham que têm todas as respostas para ele, querem “anular a diferença” alheia para se sentirem bem. Por isso é tão comum encontrarmos deficiência no próximo. Sempre achamos que se ele mudasse nisso ou naquilo tudo seria melhor e ele, inclusive, seria mais feliz, esse é o velho hábito da intromissão perniciosa nas desconhecidas terras do mundo da diversidade, que queremos moldar a gosto pessoal, talhando a igualdade como forma de encontrar a fictícia solução para tudo que nos importuna ou contraria os interesses. Muitos conflitos nascem exatamente nesse ato de apropriação indevida da conduta e da forma de ser do próximo. Não sabendo considerar-lhe a singularidade, tentamos combater a diferença ou, o que é pior, adotamos a indiferença...

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